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Diário do Comércio – Elas estão trazendo a marcenaria para o século 21

Leticia Piagentini (à esq.) e Fernanda Sanino, fundadoras da Lumberjills, estão mudando um setor tradicional dominado por homens

A maneira como consumimos móveis mudou profundamente nas últimas décadas. No passado, comprar um guarda-roupa, por exemplo, demandava diversas etapas.

O primeiro passo era encontrar um marceneiro de confiança, depois marcar uma visita, tirar medidas, encomendar a peça e, por último, esperar por vezes meses para que o trabalho fosse realizado.

Com a chegada das madeiras sintéticas e da produção em larga escala, o trabalho artesanal deu lugar aos móveis planejados.

Uma alternativa mais barata e rápida, mas com qualidade inferior. Em pouco tempo, esses novos móveis dominaram o mercado.

Hoje, quem precisa de um marceneiro tem dificuldade em encontrar um profissional, principalmente para realizar trabalhos que exigem criatividade e um toque artístico.

Dê olho nessa lacuna no mercado, Leticia Piagentini e Fernanda Sanino fundaram a Lumberjills (marceneiras, em inglês), especializada em criar e produzir móveis, objetos de decoração e tapeçaria sob encomenda.

“A maioria dos marceneiros apenas aceita grandes encomendas”, afirma Leticia. “Percebemos que existia espaço para crescer atendendo a pedidos menores, como um gabinete de banheiro ou a cabeceira da cama.”

LETÍCIA E FERNANDA: FURANDO O BLOQUEIO MASCULINO
LETÍCIA E FERNANDA: FURANDO O BLOQUEIO MASCULINO

 

LUMBERJILLS

Leticia e Fernanda se conheceram quando trabalhavam numa empresa multinacional que aluga salas e móveis de escritório.

A primeira tinha vontade de empreender, gostava de desenhar e decidiu fazer curso de design de móveis.

A outra morou nos Estados Unidos, Itália e Reino Unido. Durante essas experiências estrangeiras, ela adquiriu gosto pelo “Faça você Mesmo.”

Ao perceberem o hobby em comum, elas começaram a traçar os primeiros planos. Em 2015, após fazerem cursos de marcenaria, decidiram largar a estabilidade do emprego formal para montar a Lumberjills, com investimento inicial de R$50 mil.

Elas escolheram as redes sociais para divulgar seu trabalho. Além da página no Facebook, elas postam vídeos no Youtube, em que ensinam princípios básicos de marcenaria. Já no Instagram, exibem fotos dos móveis produzidos.

“A maioria dos clientes nos conheceu nós por meio da internet”, afirma Letícia.  Um grande diferencial em relação aos demais marceneiros que, geralmente, ainda estão presos no mundo analógico.

É na web também que vem a inspiração para grande parte das encomendas. Os clientes geralmente encontram móveis no Pinterest, rede social que os usuários guardam imagens, ou em blogs de decoração.

Eles querem objetos com design moderninho que nem sempre são encontrados em lojas convencionais de decoração, como a Tok&Stock e a Etna.  É aí que o trabalho da Lumberjills começa.

Os clientes que procuram os serviços da Leticia e da Fernanda são geralmente casais recém-casados e jovens que saem da casa dos pais e querem dar um toque bonito e funcional aos seus lares.

Em 2016, apesar da crise, os pedidos triplicaram. A média é de 20 pedidos por mês, que variam de um simples quadro para guardar rolhas de vinhos até uma complexa estante.

Para atender o aumento da demanda, esse ano, elas planejam sair da garagem que serve de oficina e mudar a empresa para um espaço maior.

NEM TUDO SÃO FLORES

Quando decidiram se dedicar à marcenaria, Leticia e Fernanda não estavam pensando em levantar a bandeira do feminismo, mas foi o que aconteceu.

Numa área ainda dominada por homens, elas tiveram que abrir caminho. E, constantemente, sofrem descriminação de gênero. “Os clientes costumam ser mais abertos. O problema geralmente são os fornecedores.“, afirma Leticia.

Mas elas não deixam se abater. Hoje, transformam as dificuldades em fonte de inspiração.

Após a divulgação da Lumberjills nas redes sociais, elas começaram a receber mensagens de outras mulheres que tinham interesse em marcenaria ou que ficam intimidas em entrar num mercado dominado por homens.

“Acabamos influenciando outras pessoas e isso nos incentivou a continuar com o nosso trabalho”, diz Leticia. “O feminismo começou a fazer parte da Lumberjills.”

Além das questões referentes ao gênero, outro obstáculo que permeia o trabalho da dupla: a precificação dos produtos.

Algumas pessoas que pedem orçamentos de móveis querem pagar o mesmo valor cobrado nas lojas de móveis e decoração, que produzem em larga escala. O que é impossível mesmo espremendo as margens de lucro .

“Fazemos todo o trabalho com nossas próprias mãos. Cada objeto é único”, diz Leticia. “Infelizmente, nem todas as pessoas valorizam o trabalho manual.”

Os preços das peças produzidas pelas Lamberjills variam de acordo com exigências do cliente e os materiais utilizados. As cabeceiras de cama, um dos carros-chefes da empresa, podem variar entre R$ 800 e R$ 5 mil.

BERÇO FEITO POR DAVID JASEN PARA O FILHO
BERÇO FEITO POR DAVID JASEN PARA O FILHO

A VOLTA AO ARTESANAL 

Leticia e Fernanda não são as únicas que estão apostando na volta de um ofício tradicional.

Em São Vicente, no litoral paulista, o advogado David Jasen é um dos apaixonados por marcenaria.  Esse amor começou há seis anos, quando ele sentiu que necessitava de uma atividade para se livrar do estresse do trabalho.

Hoje, após atender seus clientes da banca de advocacia no horário comercial, ele deixa o terno e a gravata de lado e se dedica a estudar e a praticar a arte da marcenaria.

Diferente das meninas, ele pratica métodos mais tradicionais. Jasen, por exemplo, não utiliza nenhum tipo de prego ou parafuso em suas peças. Tudo é encaixado ou colado.

Fã do estilo barroco e rococó, ele é  um conhecedor de técnicas antigas de trabalho com madeira.  Entre seus maiores orgulhos estão o berço, que ele fez para o filho, e uma cadeira antiga que foi restaurada.

Por enquanto, Jasen não aceita encomendas e faz móveis apenas para amigos. Apesar de ainda não se dedicar profissionalmente ao ramo, ele é um dos exemplos de que a marcenaria tradicional não morreu.


Notícia publicada no Diário do Comércio, sessão Negócios.
Por Thais Ferreira

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