Antigamente, a madeira maciça e nobre era a personagem principal na casa de muita gente. Com o tempo surgiram novos materiais, mas o trabalho braçal de carregar, cortar e moldar continuava sob tutela de homens. Mas isso fica no passado, porque hoje já não há mais tarefas de gênero e sim de quem tem o dom e o prazer de faze-las.
Neste cenário surgem ideias bacanas como a Lumberjills, uma marcenaria comandada por duas mulheres. Sim, só duas mãos “delicadas” e femininas que cortam, montam, calculam, instalam e fazem tudo mais que suas condições físicas permitirem.
Instalada nos fundos de uma casa em Santo André, a pequena oficina das amigas Letícia Piagentini e Fernanda Sanino já alcança grandes conquistas. Primeiro porque são duas mulheres sob comando de tudo: negociação, planejamento, produção, entrega e até montagem. A demanda é tanta que não há nem espaço para o sexismo, tanto que esse assunto nem é tabu para elas. Em um ano de diferença entre a formação de ambas, já houve mudança na turma. Letícia explica que as mulheres estavam muito mais presentes nos cursos de tapeçaria do que de marcenaria. “Tinha 14 homens e eu. Não cheguei a sofrer machismo, foi legal. Mas sempre tem aquela piadinha”.
Quando vão por a mão na massa, é comum que os homens queiram carregar a madeira, os móveis e o que mais precisar. “Por muito tempo a gente se ofendeu com essa coisa de ‘favor’, mas agora a gente aproveita! Se eles querem tanto ajudar, por que não?”, brincou Letícia. “Você nota que esse caso é uma gentileza, mas que no fundo tem aquela coisa de que ‘a mulher não vai conseguir’, é frágil e etc”, contou Fernanda, que estudou numa classe composta 50% por mulheres.
Mas o mercado está mais otimista e até amigável. “Cada vez menos sentimos esse olhar ou estes questionamentos. Alguns até se empolgam com a gente”.
A ideia surgiu por meio dessas duas cabeças empreendedoras, que se conheceram numa empresa quando trabalhavam no ramo de hotelaria e turismo. A sintonia funcionava muito bem, mas quem deu o primeiro passo para a magia acontecer foi Letícia, que criou bastante interesse pelo ramo da marcenaria e se jogou em cursos que lhe dessem base para começar a colocar a mão na massa. “Sempre quis empreender e sempre gostei de desenho, tenho uma facilidade pra isso. Mas depois que fiz o primeiro curso, vi que eu não queria só desenhar o móvel, mas fazer um”, contou.
Assim decidiu se dedicar a cursos integrais de marcenaria e largou o mundo corporativo, após 10 anos de trabalho. Enfim, se encontrou. E ainda por cima num mercado, até então, dominado por homens. O projeto ganhou ainda mais fôlego e força quando Fernanda, que adora restauração de móveis antigos e decoração, se juntou ao projeto. “Ter se envolvido no mercado corporativo foi bom para iniciar um negócio próprio, especialmente na parte de vendas”.
Por terem uma sintonia forte, as duas se completam: Fernanda tem afinidade com a parte de acabamento, detalhes e criação, enquanto Letícia gosta mais de construção, desenho, medida e montagem. Assim, desde janeiro de 2015, atuam juntas neste projeto que liberta e ao mesmo tempo as prende num novo vício.
A dupla tem que dar conta de todas as encomendas, mesmo que tenha uma bebê no meio do caminho. A pequena Maria Beatriz tem poucos meses de vida, mas já está ali, de olho em tudo o que a mamãe Letícia apronta na oficina. Até os últimos dias da gravidez ela estava firme e forte trabalhando. Depois passaram a pedir uma ajudinha para a instalação.
Os projetos chegam prontos, de clientes e escritórios de design, mas também há clientes que pedem móveis a partir de fotos, do saudoso Pinterest por exemplo, e as meninas ficam responsáveis por criar do zero e soltar a criatividade num prazo de 40 dias úteis. “Ainda tem muitos marceneiros que só fazem planejados e fazem isso bem, mas a gente acaba saindo fora da caixa, criando mais“, explicou Fernanda.
Desbravando este mercado, elas acabam se desafiando o tempo todo, em busca de novidade, detalhes e perfeccionismo. Apesar de alguns clientes quiserem tudo “pra ontem”, o trabalho artesanal não funciona desta forma e requer tempo, paciência e dedicação. “Não temos estoque, é tudo personalizado, com carinho. Tem um envolvimento emocional neste móvel porque tudo é pensado para o cliente”, argumentou Fernanda.
O material que sobra da produção nunca é lucro, então as meninas também estão estudando formas para aproveitar o que restou e ser mais sustentável. A madeira usava por elas é certificada. O mogno, por exemplo, quase entrou em extinção, então é um dos tipos que precisa de ter essa segurança de origem.
Agora pretendem encontrar um espaço maior e ir além da garagem, até para investir em equipamentos diferentes, showroom e outras coisas que tornam o negócio ainda melhor. E ah! O lugar passa longe de bagunça, hein…afinal, é coisa de mulher!
Notícia e todas as fotos © Brunella Nunes
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